Opinião
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Por André Clark, Vice-Presidente Sênior da Siemens Energy Para América Latina

Sociedades afetadas pelo alto custo da energia, eventos climáticos extremos em diferentes regiões do planeta e um ambiente geopolítico altamente convulsionado: os contextos para a realização da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas impõem alta pressão às deliberações que serão realizadas em Dubai. Em um cenário que transita entre a urgência e a desconfiança, a COP28 precisa emergir com soluções que sinalizem a união de forças para atingir resultados tangíveis.

É fato que muitos países estão agindo em frentes distintas e complementares. Nos Estados Unidos, a Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act) é considerada o maior avanço governamental na luta contra a crise climática, tendo como objetivo reduzir as emissões da maior economia do mundo em 40% até 2030. Essa medida, tamanho o seu peso nos mercados globais, coloca o país no centro das negociações diplomáticas sobre o clima, impulsionando como nunca a transição energética em uma das superpotências.

Já a Europa, que historicamente tem liderado as discussões sobre os riscos ligados ao aumento das temperaturas, também ampliou ações, desenvolvendo a Taxonomia da União Europeia. Ao instituir parâmetros para classificar atividades econômicas como sustentáveis, o bloco facilita e potencializa investimentos em projetos mais alinhados com a agenda verde do século XXI, ao mesmo tempo em que se direciona ao estabelecimento de prazos para sua descarbonização por meio do European Green Deal.

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Guardadas as devidas proporções, a América do Sul também não deixa de progredir no tema e um exemplo disso é o Plano de Transição Ecológica brasileiro. Sendo progressivamente desenhado desde começo do ano a partir de um esforço interministerial, o também chamado ‘pacote verde’ agrega mais modernidade e objetivos sustentáveis às grandes missões de desenvolvimento nacional, como o Novo Plano de Aceleração do Crescimento, que está em maior consonância com os empenhos de combate às mudanças climáticas.

Para além disso, importantes iniciativas também no Chile e na Colômbia reforçam que a região, na verdade, precisa ser vista e reconhecida como é: uma usina de energia verde. Somos o continente que deve alcançar primeiro a neutralidade em emissões e, se ainda não evoluímos visivelmente em projetos disruptivos nesse campo, é provável que isso se deva a uma frágil conjunção de capacidades.

Fechando o gap de investimentos

Porém, apesar de algum progresso, o fato é que os passos tomados ainda são insuficientes para limitar o aquecimento do planeta a 1,5º C até o final deste século. A bem da verdade, olhando para o caminho que seguimos atualmente desde o Acordo de Paris, em 2015, estamos em direção a algo entre 2,4ºC e 2,6ºC, segundo o Global Stocktake, o relatório da ONU que pautará os próximos debates na COP28. E entrar nos trilhos certos, que conjuguem os diversos compromissos globais em prol de soluções reais, demandará um olhar integrado sobre como enxergamos e priorizamos a transição energética.

Não se pode deixar que o conflituoso momento que vivemos sirva de justificativa para voltarmos atrás em nossas metas e investimentos na geração de energia de baixo carbono.

Nesse sentido, não há como fugir do fato de que para mudarmos o quadro que temos hoje – de pico na demanda de óleo, gás e carvão pelo menos até o final da década – são necessários investimentos maciços, que alavanquem a adoção contínua das tecnologias verdes nos países ricos ao mesmo em que se viabiliza a transição energética justa nas economias emergentes e pobres.

Para tanto, a Agência Internacional de Energia (IEA) recentemente avaliou que os gastos globais com energia limpa devem aumentar de US$ 1,8 trilhão de dólares em 2023 para US$ 4,5 trilhões por ano até o início dos anos 2030. Ou seja, o déficit a ser fechado é grande e, além disso, será necessário pensar em como compensar as regiões mais vulneráveis. Embora precisemos ainda definir como essa proposta será estruturada e devidamente aplicada, a decisão da COP27 em financiar ‘perdas e danos’ às nações mais afetadas por desastres climáticos foi um marco histórico para essa reparação, principalmente para países da América Latina que pouco contribuíram para as mudanças climáticas e já estão sofrendo suas consequências.

André Clark, Vice-Presidente Sênior da Siemens Energy Para América Latina. — Foto: Divulgação
André Clark, Vice-Presidente Sênior da Siemens Energy Para América Latina. — Foto: Divulgação

Por outro lado, uma boa notícia é que o setor produtivo tem à disposição cada vez mais mecanismos financeiros para cumprir o seu importante papel nisso. O primeiro são os mercados regulados de créditos de carbono, algo essencial para a definição de um parâmetro que ajuste os preços na economia verde. Os créditos de carbono, negociados em um espaço comum e com regras compartilhadas bem definidas, são um instrumento efetivo para incentivar a transição energética com progressiva redução de emissões.

Para se ter ideia do impacto da sua implementação, projeções da International Chamber of Commerce e da WayCarbon apontam que, somente o Brasil em sua rica biodiversidade, tem potencial para geração de receita de U$ 120 bilhões com créditos de carbono até 2030, atendendo de 22,3% a 48,7% da demanda global por créditos, que devem compensar entre 1,5 e 2 gigatoneladas de CO2. Felizmente, o projeto de lei que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) foi recentemente aprovado no Senado e agora está em análise na Câmara dos Deputados.

O segundo, e não menos importante, é o avanço das já citadas taxonomias verdes, que são ligadas intimamente não apenas ao mercado de carbono e à bioeconomia, mas também a outros mecanismos de atração de capitais para a transição ecológica, a exemplo dos títulos verdes soberanos do Brasil, foram lançados pelo governo. Por meio dessas organizações da sustentabilidade, definiremos de maneira legítima, quais setores, atividades, fundos e ativos estão de fato alinhados com os objetivos sociais, ambientais e de governança dos investidores globais, que cada vez mais pressionam de modo organizado e institucional pela descarbonização dos modelos de negócio do futuro.

Brasil e América Latina: potenciais altos e concretos

Novamente, é fundamental destacar que eventos como a COP28 farão a diferença conforme consolidem essas mudanças – sejam políticas, industriais ou financeiras – e apresentem estímulos para a aliança entre os setores público e privado. O mundo está percebendo que nem Estado nem iniciativa privada dão conta de resolver todos esses desafios sozinhos. Um novo nível de parcerias público-privadas precisa ser alcançado, combinando características de cada um desses entes na criação de projetos ambientalmente efetivos e financeiramente viáveis. Nesse sentido, o setor privado atua dialogando com os entes governamentais a fim de sugerir medidas que tornem esses mecanismos mais eficazes.

Quando falamos da América Latina e do Sul, especificamente, os potenciais são altos e concretos. O Brasil, uma forte representação da região com uma matriz energética já predominantemente renovável, por exemplo, tem produzido excedente de energia solar, que pode ser aproveitado em projetos de eletrificação dos transportes e da indústria, inclusive sendo uma vantagem econômica na produção de hidrogênio verde e combustíveis de transição em alta demanda, como o e-metanol, o combustível sustentável para aviação (SAF) e o metanol para uso em frotas marítimas.

Aproveitando sua geração renovável, a América Latina, como se não bastasse, também se posiciona como um mercado ideal para a organização de novos polos industriais, colocando-se como parceiro com vocação para a democracia e a estabilidade, em contraposição a países e regiões cujo potencial de negócios tem se mostrado cada vez mais prejudicado justamente pela instabilidade política e social.

Naturalmente, a nossa região também lida com seus desafios, e um deles diz respeito às redes de transmissão, o coração pulsante da transição energética. Para abraçar a ambição da COP28 em triplicar a produção de energia renovável e dobrar a produção de hidrogênio até 2030, como revela a Agência Internacional de Energia, será necessário adicionar ou substituir 80 milhões de quilômetros de linhas de energia até 2040, uma quantidade equivalente à toda rede existente no mundo.

Por aqui, isso significa planejarmos não apenas o aumento da infraestrutura, conectando nossos pontos de isolamento e desenvolvendo condições ao escoamento da geração limpa, mas também criando um meio favorável para a condução eficaz de projetos de energia, tanto em termos de regulação e licenciamento quanto de recapacitação e modernização da segurança dos ativos instalados há décadas e no fim de sua vida útil. Em meio a tudo isso, os leilões de transmissão previstos pela Aneel, logo após a COP28, serão decisivos para ativamos nossa capacidade latente.

Igualmente importante é o quanto dependemos de talentos locais e investimentos em inovação para acelerar essa transição. E a transformação para uma economia de baixo carbono, mais uma vez, se apresenta como um motor eficiente do progresso que desejamos, especialmente no Brasil. Recentemente, subimos cinco posições no Índice Global de Inovação (IGI) na comparação com 2022 e agora ocupamos o 49º lugar entre 132 países.

Ademais, como indicou em setembro passado um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), aliar inovação à sustentabilidade já é realidade em 47% das indústrias brasileiras. E, com efeito, a tendência é otimista para o futuro à medida que políticas públicas e incentivos à neoindustrialização verde, a exemplo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), devem engajar nos próximos anos mais parcerias entre a indústria e a academia especialmente onde somos mais fortes, caso da energia e da bioeconomia.

Apesar dos desafios e do grande dever de casa que temos a frente, a soma de esforços entre governos e empresas parece não apenas possível, mas a melhor resposta para abordar soluções que se traduzam no crescimento sustentável da região e do País.

É imperativo ressaltar que a COP28, um palco propositivo de imensa influência, dará uma contribuição efetiva na concretização de ações em favor do clima somente se apontar para a promoção dos compromissos firmados para a redução de emissões. Para além das diferenças que se configuram hoje, sabemos o que deve ser feito. A visão de uma ordem global mais sustentável, inclusiva e inovadora precisa, mais do que nunca, se sobressair.

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