COP
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Por Amanda Magnani, de Dubai, para Um Só Planeta

O início da COP 28 não trouxe consigo o fim das preocupações sobre a forma como os Emirados Árabes Unidos (EAU), um país com histórico duvidoso de Direitos Humanos, iria lidar com as manifestações da sociedade civil.

Embora a Blue Zone, onde acontece a programação oficial do evento, esteja sob jurisdição da UNFCCC, o que em teoria garantiria aos participantes liberdade de expressão, a realidade alarmante que os espera a um passo da saída afeta diretamente o que acontece do lado de dentro.

Segundo Ana Paula Souza, oficial de direitos humanos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a sociedade civil encontra problemas em virtualmente todos os anos desde que surgiram as conferências do clima. Mas, este ano, a principal questão para ativistas é a incerteza sobre o que vai acontecer caso tomem a decisão de se manifestar. “Ainda estamos tentando entender como será a participação ativa da sociedade civil na COP 28”, diz.

Além de ser uma tradição, essa participação é crítica para que diferentes vozes sejam consideradas nos momentos de negociação e tomada de decisão. Não à toa, meses antes do início do evento, organizações internacionais já haviam levantado preocupações sobre os direitos humanos na COP 28.

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Diante disso, os Emirados Árabes Unidos assinaram em agosto um acordo com a UNFCCC, no qual garantiram que “haverá espaço disponível para que ativistas se reúnam de forma pacífica e tenham suas vozes ouvidas”. Uma análise publicada pela Anistia Internacional em 3 de agosto avaliava que, mesmo com este acordo, que até hoje não foi divulgado publicamente, não estava claro o que exatamente as autoridades locais iriam permitir.

Quatro meses depois, essa situação não mudou.

“Já cheguei em Dubai com medo, por causa de todas as orientações que a gente recebeu. Eu nunca tinha viajado para um país com tantas restrições”, conta Ingrid Saterê Mawé, ativista de direitos humanos e da natureza e integrante da ANMIGA.

Ela relata que, já em seu primeiro dia no país, recebeu um alerta da rede social Instagram, informando que a localização em que se encontra não tolera manifestações em prol da causa LGBTQIA+. “Isso intimida. Sinto que aqui não posso ser totalmente quem sou”, diz.

Recomendações como esta foram abundantes para ativistas de todo o mundo enquanto se preparavam para chegar à COP. Um guia organizado pela Global Climate Legal Defense, por exemplo, informava sobre as restrições à liberdade de expressão no país e as possíveis consequências legais de manifestações nas ruas ou mesmo digitais. Além disso, um grupo de organizações de direitos humanos, apoiados por especialistas em diferentes tipos de riscos criaram o Safety Hub, um canal virtual para suporte no local ou à distância a ativistas, em caso de incidentes durante o evento ou após seu retorno à casa.

Teoricamente, contudo, a Blue Zone deveria ser um espaço seguro para todos os presentes. “O local do evento é administrado pela ONU, então a Human Rights Watch (HRW) aconselhou a ativistas que esta é uma zona onde é seguro se manifestar”, diz Joey Shea, pesquisadora da HRW focada nos Emirados Árabes Unidos.

“Estamos monitorando a situação do espaço cívico da COP junto a vários grupos da sociedade civil e até agora não recebemos nenhuma denúncia”, diz Souza. “Contudo, a auto-censura é algo difícil de se medir”, acrescenta.

Para Shea, o principal a se ter em mente é que os EAU são um petroestado autoritário que não respeita os direitos humanos. “Nós da HRW sentimos que o país está se comportando bem para usar a COP 28 como uma espécie greenwashing da sua imagem, enquanto continua a expandir a exploração de petróleo e a desrespeitar os direitos humanos”, diz.

Ela explica que, em consequência de décadas de ataques contínuos aos direitos humanos mais básicos, o país não tem hoje uma sociedade civil organizada. “Isso é especialmente preocupante em um país onde 88% da população é formada por trabalhadores imigrantes vindos de países particularmente vulneráveis às mudanças climáticas que, ao chegar, são expostos a temperaturas altíssimas em situações de trabalho abusivas”, acrescenta.

Shae se preocupa com o fato de que a população em geral não tem acesso ao que está acontecendo na conferência. “A presidência da COP 28 e a UNFCCC deram uma declaração conjunta de que esta seria a COP mais tolerante da história. Contudo, o que temos visto é só um grupo elitizado, que tem acesso aos crachás, consegue entrar nesses espaços e se expressar de forma segura”, diz.

Mas, para muitos ativistas, a salvaguarda da Blue Zone não é suficiente. “Estamos fora do nosso país, em local onde sabemos que não podemos nos expressar abertamente, o que já nos coloca em um lugar de extrema vulnerabilidade”, diz Paulo Galvão, Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Clima da organização de jovens ativistas Engajamundo.

“Nós planejamos uma série de ações contra a expansão da exploração do petróleo, especialmente na foz do Amazonas. Mas como fazer isso de uma forma segura dentro de um petroestado? Precisamos ter muito cuidado sobre como abordar o tema, sem nos colocar em risco”, diz.

Mas não são só as restrições dos EUA que limitam as manifestações da sociedade civil. “Todas as manifestações precisam passar pela aprovação da UNFCCC antes de acontecer. Você não pode, por exemplo, vincular o seu protesto às ações de um indivíduo, como um líder de estado, por exemplo”, explica Galvão.

“Para nós, isso é um problema, porque muitas vezes essas pessoas estão nas salas de negociação, decidindo sobre o nosso futuro, sem que o público tenha conhecimento das suas ações dentro dos nossos territórios.”

Assim como Shae, ele lamenta a impossibilidade de trazer as manifestações às ruas. “Poder fazer nossas ações do lado de fora, além de proporcionar mais liberdade, permite alcançar mais pessoas, especialmente das comunidades locais, que não conseguem acessar o espaço da COP”, diz.

Para Souza, a ausência da sociedade civil nos espaços de negociação, ou mesmo a impossibilidade de participar de forma eficaz, acarreta um prejuízo incalculável. “Quando as pessoas defensoras do meio ambiente e direitos humanos não fazem parte da tomada de decisões, deixamos de ter as perspectivas de quem está vivenciando a situação nos territórios. O que essas pessoas trazem para a mesa são soluções – e se suas vozes não são escutadas, todos nós saímos perdendo.”

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