Anfitriões da COP28, que começa na quinta-feira (30), em Dubai, os Emirados Árabes Unidos usaram da sua posição para discutir acordos de petróleo e gás, de acordo com uma investigação feita pelo Center for Climate Reporting (CCR) em parceria com a BBC.
Conforme documentos obtidos pelas organizações, o país aproveitou reuniões prévias da conferência do clima realizadas entre o Sultão Al-Jaber, presidente da COP28 e CEO da empresa petrolífera nacional Adnoc e da empresa estatal de energias renováveis Masdar, e países estrangeiros para fazer negociações.
Para cada um destes encontros foram preparados briefings com informações a serem tratadas. Com a China, por exemplo, constava que a Adnoc estava “disposta a avaliar conjuntamente as oportunidades internacionais de GNL [gás natural liquefeito]” em Moçambique, no Canadá e na Austrália.
Outro documento sugeria dizer a um ministro colombiano que a empresa estava “pronta” para apoiar a Colômbia no desenvolvimento dos seus recursos de combustíveis fósseis. Havia pontos de discussão para outros 13 países, incluindo Alemanha e Egito. Para eles, era indicado dizer que a petrolífera queria trabalhar com os seus governos em projetos de combustíveis fósseis.
Os briefings também mostravam indicações de oportunidades comerciais da Masdar com 20 países, dentre eles Reino Unido, Estados Unidos, Arábia Saudita e Quênia, e também diziam que deveria ser solicitado à ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, que ela ajudasse a “garantir o alinhamento e o endosso” à oferta da Adnoc pela maior empresa de processamento de petróleo e gás da América Latina, a Braskem – no início deste mês, a petrolífera fez uma oferta de US$ 2,1 bilhões (aproximadamente R$ 10,2 bilhões) por uma participação na companhia.
A BBC destaca que viu uma troca de e-mails em que os membros da equipe da COP28 dos EAU são informados de que os pontos de discussão de Adnoc e Masdar “precisam sempre ser incluídos”. Em resposta, o governo saudita disse que isso era “simplesmente falso”.
A reportagem também informa que não ficou claro com que frequência estes pontos foram levantados, mas o CCR afirmou que em pelo menos uma ocasião um país deu seguimento às discussões iniciadas em uma reunião com o grupo dos Emirados Árabes Unidos.
Doze nações, caso do Reino Unido, disseram que não houve discussão sobre atividades comerciais durante os encontros ou que eles nem chegaram a ocorrer.
Violação de conduta
Segundo a BBC, a tentativa de fazer negócios durante o processo da COP parece ser uma violação grave dos padrões de conduta esperados para o presidente da conferência.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC), órgão que estabelece as normas do evento, salientou que o “princípio fundamental” para os presidentes da COP e suas equipes é “a obrigação de imparcialidade”.
À reportagem da agência britânica disse que “espera-se que os presidentes da COP atuem sem preconceitos, favoritismo, caprichos, interesses próprios, preferências ou deferências, estritamente baseados num julgamento sólido, independente e justo”.
E acrescentou: “Espera-se também que eles garantam que as opiniões e convicções pessoais não comprometam ou pareçam comprometer o seu papel e funções como oficial da UNFCCC”.
Michael Jacobs, professor da Universidade de Sheffield e especialista em política climática da ONU, comentou que as ações da equipe da COP28 pareciam “de tirar o fôlego” e hipócritas.
“Na verdade, penso que é pior do que isso, porque neste momento os EAU são os guardiães de um processo das Nações Unidas que visa reduzir as emissões globais. E, no entanto, nas mesmas reuniões em que aparentemente está a tentar prosseguir esse objetivo, está na verdade tentando fazer acordos paralelos que aumentarão as emissões globais”, analisou.