Opinião
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Por Luisa Santiago

Após anunciar o compromisso de reduzir 53% das suas emissões de gases de efeito estufa até 2030, o Brasil declarou durante a COP28 estar disposto a liderar pelo exemplo e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis, citando o Plano de Transição Ecológica como uma das pautas prioritárias para alcançar essa meta. O plano, que contém a economia circular como um dos eixos, é um caminho promissor para um desenvolvimento inclusivo e de baixo carbono. Contudo, para que ele alcance o seu maior potencial para o cumprimento das metas, é preciso aprimorar a visão do que é a economia circular, indo além da reciclagem.

Repensar a maneira como produzimos e utilizamos os produtos e alimentos é fundamental para atingirmos nossas metas climáticas. Um estudo de 2019 da Fundação Ellen MacArthur demonstrou que, enquanto 55% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) podem ser reduzidas por meio da transição a energias renováveis, há outros 45% que, em geral, são negligenciados. Essas são as emissões mais difíceis de conter, que surgem do gerenciamento da terra, da construção civil e da fabricação de veículos, eletrônicos, roupas, alimentos, embalagens e outros bens e ativos que usamos todos os dias. Isto é, estão relacionadas à atual lógica econômica linear, na qual extraímos recursos, transformamos em produtos e, após um curto tempo de uso, descartamos, desperdiçando a energia, o trabalho e os recursos empregados na sua produção.

Contrapondo-se a esse modelo linear, a economia circular propõe uma transformação sistêmica fundamentada em três princípios: eliminar resíduos e poluição, circular produtos e materiais e regenerar a natureza. Esse modelo ajuda a enfrentar a crise climática, pois reduz as emissões de GEE ao longo das cadeias de suprimentos, preserva a energia incorporada em produtos e materiais e aumenta o sequestro de carbono por meio da regeneração da natureza.

Essa visão da economia circular está baseada em repensar e reformular os produtos e modelos de negócio na sua concepção, ou no início da cadeia, pois se trata da forma mais eficiente de resolver os problemas de poluição.

Sabemos que cerca de 80% dos impactos ambientais dos produtos são determinados na sua fase de criação ou de design. Assim, reprojetar os produtos e modelos de negócio para que eles sequer gerem resíduos e poluição é um caminho mais inteligente e mais lucrativo do que lidar com eles depois de gerados. Evitar a poluição faz mais sentido do que remediá-la.

Contudo, o entendimento de economia circular predominante no Brasil continua sendo associado apenas à gestão de resíduos e reciclagem, com pouca ênfase para mudanças no início da cadeia. É compreensível: o tema é relativamente novo, requer uma mudança de olhar, e começou a ter maior interesse do governo apenas este ano. Em agosto, o país passou a integrar a Coalizão de Economia Circular para a América Latina e o Caribe, aliança que possibilita o intercâmbio sobre políticas de economia circular entre as nações da região. Com esse passo, ele tem a oportunidade de discutir políticas públicas de economia circular com outras nações latino-americanas que estão mais avançadas no tema.

O Chile, por exemplo, lançou em 2021 a sua rota nacional, isto é, uma visão estratégica de alto nível com metas, direções e marcos para transitar à economia circular. A Colômbia e a Costa Rica também lançaram em anos anteriores as suas estratégias nacionais de economia circular. Já o Brasil está se aproximando do exemplo desses países com a intensificação das discussões e iniciativas voltadas ao tema tanto no governo como no Congresso.

O país se prepara para desenvolver no ano que vem a sua estratégia de economia circular. Além disso, um Grupo de Trabalho do âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República fará uma discussão ampla sobre a economia circular, envolvendo sociedade civil, setor produtivo, empresas e demais partes interessadas.

Essa é uma das oportunidades que surgem para que a economia circular seja enxergada no seu maior potencial de impacto positivo, isto é, com uma visão voltada ao início da cadeia, ao design dos produtos e modelos de negócio, e ao princípio da regeneração da natureza.

O Brasil tem muito a se beneficiar com esta proposta. A economia circular tem potencial para geração de empregos de melhor qualidade e maior rentabilidade, especialmente no âmbito da circulação dos produtos e materiais. O uso dos recursos naturais de maneira regenerativa é outro aspecto contemplado nessa visão avançada de economia circular que pode nos levar a um novo patamar de desenvolvimento. O país abrange a floresta tropical mais biodiversa do mundo, a Floresta Amazônica, em quase metade de seu território. O Brasil também é um ator importante na produção global de alimentos, contribuindo com a alimentação de 10% da população mundial. Ademais, segundo dados do SEEG Brasil, os dois setores que mais contribuem para as emissões de gases do efeito estufa no Brasil são as mudanças no uso da terra e floresta – o que inclui o desmatamento, por exemplo – e a agricultura. Só em 2022, mudanças no uso da terra foram responsáveis por 48% das emissões de GEE, enquanto 27% provém da agricultura.

Assim, implementar a agricultura regenerativa em larga escala e aproveitar os recursos da nossa bioeconomia mantendo a floresta em pé, são estratégias alinhadas à economia circular que podem contribuir com as metas climáticas do Brasil ao mesmo tempo em que o posiciona como um exemplo de desenvolvimento de baixo carbono. Zerar o desmatamento depende de uma economia que faça a floresta ser mais valiosa em pé do que derrubada. No âmbito dos alimentos, a adoção global de práticas agrícolas que trazem resultados regenerativos, como a rotação de culturas e a implementação de agroflorestas, poderia reduzir as emissões em até 3,9 bilhões de toneladas de CO₂ por ano.

O despertar recente do Brasil para as oportunidades de uma economia circular que colocaram o tema nas prioridades políticas do país indica um caminho promissor. Mas, para se tornar uma liderança na construção de uma agenda econômica alinhada às necessidades do futuro (e do presente), que enfrenta questão climática, revertendo a perda de biodiversidade e a poluição, é imperativo que o país abrace os princípios da economia circular de maneira sistêmica e em sua totalidade.

* Luisa Santiago é diretora executiva na América Latina da Fundação Ellen MacArthur

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