COP
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Por Amanda Magnani*, de Dubai, para o Um Só Planeta

Promessa feita em junho pelo presidente da COP 28, Sultão Al Jaber, durante a Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas, o protagonismo indígena tem marcado o evento em Dubai desde o primeiro dia.

Logo na plenária de abertura, no dia 30 de novembro, a jovem ativista indígena Pema Wangmo Lama Mugum, do povo Mugum, do Nepal, leu uma carta na qual os povos indígenas demandavam participação plena em todos os processos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).

No dia seguinte, a brasileira Isabel Gakran, da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng, se dirigiu aos líderes mundiais na abertura da Cúpula Mundial de Ação Climática. Em seu discurso, ela fez um chamado para ação: “Não estamos mais apenas protegendo o futuro, mas sim agindo no agora. Em nome das vidas indígenas, da floresta e da biodiversidade, junte-se a nós nesta luta”.

Não só a participação indígena na COP deste ano aumentou, como também os povos originários, vindos de várias localidades do mundo, conquistaram o seu próprio pavilhão. Outra conquista é ter suas pautas entre os temas destacados para o dia temático desta terça-feira (05/12).

Para o Brasil, esse protagonismo é ainda mais marcante. “Quero registrar que nós estamos participando desta COP como a maior delegação indígena do Brasil de todos os tempos”, disse a Ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara no evento de Lançamento Internacional da Bancada Pelo Planeta, uma iniciativa da deputada federal Célia Xakriabá, do PSOL-MG.

Após a partida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste domingo (03), para a Alemanha, Guajajara passou a ser a chefe da delegação brasileira, marcando outro feito para a comunidade: esta é a primeira vez na história que uma representante dos povos indígenas do Brasil lidera as negociações na conferência do clima.

No cenário da crise climática global, os povos indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis, em função da forte relação e interdependência que mantêm com a natureza. Ao mesmo tempo, são também os mais bem posicionados para encontrar soluções socioambientais para os desafios do clima e da ‘economia verde’, por serem conhecedores da dinâmica da biodiversidade, terem domínio de técnicas extrativistas com baixo impacto ao meio ambiente e também serem peças-chave no desenvolvimento de negócios da bioeconomia.

Esse valor é algo que a comunidade internacional começa agora a reconhecer via mecanismos como a Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP na sigla em inglês), criada em 2015 no âmbito do Acordo de Paris. “A plataforma foi criada como uma forma de transferir os conhecimentos tradicionais indígenas para dentro da UNFCCC”, diz Brianna Gordon, do povo Wiradjuri da Austrália.

Brianna Gordon, do povo Wiradjuri da Austrália.  — Foto: Amanda Magnani
Brianna Gordon, do povo Wiradjuri da Austrália. — Foto: Amanda Magnani

Entre os principais objetivos da LCIPP estão o engajamento dos povos originários e comunidades locais nos processos e instâncias da UNFCCC; a promoção da troca de experiências e boas práticas baseadas no conhecimento tradicional; e a ajuda na integração deste conhecimento tradicional em ações, programas e políticas nacionais e internacionais.

“Esse é um ótimo mecanismo para aproximar grupos indígenas de diversas partes do mundo, para que tenham agência compartilhada, façam um networking e conheçam mais sobre as realidades específicas uns dos outros, assim como sobre as experiências compartilhadas”, diz Gordon.

Desafios persistem

Ao mesmo tempo em que ganham protagonismo inédito, os povos originários ainda veem sua participação efetiva nas discussões e decisões ainda com limitações.

“A LCIPP não é eficaz no sentido de realmente proporcionar aos povos indígenas uma voz forte dentro da UNFCC, especialmente porque embora o Acordo de Paris determine a sua existência, não existe nenhuma determinação quanto ao que precisa ser feito em relação às demandas que apresentamos. Não são nem mesmo obrigados a nos responder”, explica Brianna.

Além disso, adiciona, para os povos indígenas, não basta estar dentro destes espaços. É preciso que os processos – e a linguagem utilizada – sejam claros e inclusivos.

“Para mim e para as comunidades que eu represento, uma das principais razões para estar aqui é fazer com que esses espaços sejam mais acessíveis e para que as decisões sejam mais transparentes. Porque muitas vezes quem está no território não entende a severidade do que está sendo decidido aqui”, diz Mesiah Burciaga Hameed, do povo Quechuan dos Estados Unidos.

Ela destaca a importância de se ter cuidado na forma de abordar os temas debatidos em eventos como a COP 28 com as comunidades. “É preciso fazer isso de uma forma gentil. O peso das informações com que lidamos aqui pode ser esmagador. Se não tomamos cuidado com a forma como as pessoas vão recebê-las, podemos estar apenas reforçando a ansiedade climática”, diz.

Para Hameed, essa conferência é um dos poucos espaços onde lideranças tradicionais podem estar sentadas à mesa junto a oficiais de governo, discutindo questões que lhes tocam diretamente. “O resultado dessas discussões pode mudar as nossas vidas, se transformando em formas tangíveis de proteção.”

Mas, para que isso aconteça, é preciso que as decisões sejam implementadas de modo que realmente beneficie as comunidades, e não de forma a reforçar estruturas que as excluem e prejudicam.

“Projetos relacionados com mercados de carbono ou REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), que deveriam trazer recursos para uma resposta rápida às ações climáticas adversas, chegam na comunidade sem que as lideranças entendam do que se trata. Muitas vezes, as lideranças assinam acordos pensando estar fazendo algo bom para a comunidade, mas não sabem que estão concordando com algo que está restringindo seu modo de vida”, diz a brasileira Sineia do Vale, do povo Wapichana, coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas.

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Para Sineia do Vale, por isso, participar da COP é importante para “fazer o caminho de volta para o chão da aldeia”. Ela explica que as comunidades precisam ter acesso ao conhecimento sobre os mecanismos climáticos internacionais, tanto para conhecer as oportunidades que trazem, quanto para se salvaguardar.

“Não é para transformar cada membro da comunidade em um PhD nas discussões sobre clima. Mas queremos que as pessoas conheçam seus direitos e possam usar os mecanismos que as próprias comunidades já têm, como os protocolos de consulta, para enfrentar propostas que sejam abusivas ou pouco confiáveis”, explica a indígena brasileira.

Sineia do Vale, do povo Wapichana, coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas — Foto: Amanda Magnani
Sineia do Vale, do povo Wapichana, coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas — Foto: Amanda Magnani

Com esse intuito, o Conselho Indígena de Roraima organizou, em outubro, um evento preparatório para a COP 28, que contou com a presença de cerca de 40 lideranças do Estado e 30 de outras regiões do país. Foi a primeira vez que um evento como esse foi realizado em um território indígena no Brasil.

“Foi uma experiência muito rica, porque vimos que, mesmo que as lideranças não dominem esses termos, que não saibam o que é financiamento climático ou mercado de carbono, elas sentem os efeitos das mudanças climáticas. Mais do que isso, elas entendem o que está acontecendo dentro do seu território, e sabem como enfrentar a crise a partir dos seus conhecimentos tradicionais”, diz Sineia do Vale.

(*) Reportagem produzida com apoio do programa de Transições Energéticas Justas do Climate Tracker

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