Exclusivo para Assinantes
Política Congresso

'O Google usa sua força para chantagear’, diz relator do PL das fake news, em entrevista

Deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) acusa plataformas de abuso de poder econômico para interferir no debate público sobre o projeto e não remunerar conteúdo jornalístico
O deputados Orlando Silva (PCdoB) é o relator do PL das Fake News 28/10/2020 Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
O deputados Orlando Silva (PCdoB) é o relator do PL das Fake News 28/10/2020 Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

BRASÍLIA E RIO — Relator do projeto das Fake News, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) acusa plataformas digitais de abuso de poder econômico para interferir no debate público sobre a proposta, que institui uma regulamentação do setor. As críticas mais contundentes são direcionadas ao Google, que, segundo o parlamentar, resiste a remunerar conteúdo jornalístico como forma de combate à desinformação.

Fake news : Ainda sem legislação, punições por conteúdos falsos não são uniformes

— O que o Google faz nesse debate é usar sua força para desinformar e chantagear. Posso falar sem medo de errar. É um crime o que o Google faz no Brasil hoje.

Silva afirma que o texto está pronto para ser votado no plenário da Câmara, mas não descarta a possibilidade de novos ajustes. Leia a entrevista:

O senhor continua trabalhando para votar o projeto nesta semana?

Não tenho prazo para votar, mas para concluir o meu trabalho. O que está programado é conversar com o presidente (da Câmara) Arthur Lira amanhã (hoje), para pactuar qual é o caminho.

O governo sempre se colocou contra a moderação de conteúdo feita pelas plataformas. É possível que haja modificação neste sentido?

Concordo que as plataformas digitais não podem se converter em censores privados. Ao mesmo tempo, impedir que elas façam moderação seria como colocar uma mordaça. Isso não é democrático. É uma obrigação fazer a moderação. Agora, para essa moderação de conteúdo, que ocorre quando ela retira uma publicação, rotula uma postagem, diminui o alcance, é necessário que haja um devido processo.

Sonar : Twitter amplia regras contra fake news e cria identificação para perfis de candidatos nas eleições

O trecho que estende a imunidade parlamentar ao uso das plataformas não pode provocar insegurança jurídica para a moderação das redes?

O que o texto faz é reproduzir o que está escrito no artigo 53 da Constituição. A imunidade parlamentar não é escudo para crime nem criminoso. Tanto é assim que há parlamentares que estão sendo processados. Estou seguro de que não há nenhum risco de blindagem de político, mas, até a última hora, vou procurar a melhor redação para que não pairem dúvidas quanto ao que está pretendido ali, que é a defesa da liberdade de expressão, de opinião e de votos parlamentares.

O senhor pretende fazer mais ajustes?

Estou satisfeito com o texto. Agora, o debate está se dando. Muitas sugestões têm chegado até mim. Isso vai depender da posição do presidente Arthur Lira sobre como conduzir o tema. Se o comando for para aprofundar, fazer ajustes, em itens indicados ou sugeridos pelos líderes, nós o faremos. Mas, na minha percepção, chegamos num ponto adequado para votar o texto.

O texto passou a exigir uma representação jurídica das plataformas? O que muda?

O texto do Senado falava em ter sedes no Brasil. Considerei um pouco demasiado e que poderíamos ter uma representação no Brasil. Foi a posição em dezembro. De lá pra cá, na consulta às bancadas, houve o questionamento de que uma mera representação, sem que tivesse capacidade técnica, jurídica e econômica de responder demandas, seja do Poder Executivo, seja do Judiciário, poderia ser uma representação esvaziada.

Leia : Título de eleitor para adolescentes destrava nova 'batalha' entre direita e esquerda

A alteração no artigo 7º do projeto partiu da crítica das redes? Como o senhor vê as campanhas contra o projeto?

No caso do artigo 7º, a crítica era que nós poderíamos inviabilizar a publicidade de pequenos negócios. O meu ponto é proteger a privacidade dos usuários. Portanto, os dados pessoais que são coletados pelas plataformas precisam ser compartilhados para serviço de terceiros segundo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Com essa redação, pelo que entendi, as plataformas estão de acordo. Agora, o que nós vimos no Brasil, sobretudo a partir de empresas como a Meta (Facebook e Instagram) e Alphabet (Google e YouTube), foi o abuso do poder econômico. Elas usaram da força econômica que têm para tentar interferir no debate público. É por essas e outras que defendo que o conteúdo jornalístico tem que ser remunerado.

Depois que o senhor fez a alteração no artigo 7º, o Google voltou a publicar anúncios, agora com a afirmação de que o projeto pode obrigar a financiar notícias falsas. Há esse risco?

O principal instrumento para combater a desinformação é oferecer informação. Aí o Google questiona, mas o que é conteúdo jornalístico? Ora, é o jornalismo feito com método, técnica, profissionais, contraditório, checagem de fontes, com pluralismo. O que o Google de verdade não quer é remunerar quem produz conteúdo jornalístico. Ele quer se apropriar desse conteúdo e seguir quebrando recorde de faturamento de publicidade. O que nós queremos é que haja um critério objetivo na definição de quem pode ter direito a receber. E isso pode ser aprofundado dentro da lei ou em uma regulamentação. O que o Google faz nesse debate é usar sua força para desinformar e chantagear. Posso falar sem medo de errar. É um crime o que o Google faz no Brasil hoje. Eles estão chantageando jornais regionais e sites de mídia alternativa que recebem algum recurso dos seus programas.

Com mudanças feitas na exigência de transparência dos sistemas automatizados, ainda teremos informações suficientes para compreender o impacto da moderação de conteúdo?

Nós procuramos suprimir do texto aspectos dos relatórios que envolviam metodologias, que de fato poderiam servir para o uso por agentes maliciosos, e remetemos essa informação, que pode ser obtida para o interesse público, para fins de políticas públicas, mas requerida pelo Comitê Gestor da Internet.