English version of the Open Letter

Carta Aberta | Regulação de Inteligência Artificial: um tema transversal que exige debate multissetorial e interdisciplinar

Comissão de Juristas do Senado é bem-vinda, mas carece de diversidade.

Como ela pode ajudar a fomentar esse debate no país?

Exmo. Sr. Presidente Rodrigo Pacheco:
Exmo. Sr. Presidente da Comissão, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:
Exmo. Sr. Relator do Projeto de Lei, Sen. Eduardo Gomes:

As entidades abaixo assinadas, reunidas na condição de membros da Coalizão Direitos na Rede (CDR) – coletivo que reúne 51 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, valorizam a iniciativa do Senado Federal ao criar a Comissão de Juristas para propor substitutivo aos Projetos de Lei 5.051/2019, 21/2020 e 872/2021, referentes ao marco legal para o uso da inteligência artificial (IA) no Brasil. Inteligência Artificial é um tema que afeta toda a sociedade em múltiplas facetas, e o debate sobre sua regulação deve se dar com tempo, cuidado e ampla participação.

A Comissão de Juristas será um espaço importante para o debate sobre a complexidade da regulação da inteligência artificial no Brasil e entendemos como um importante passo para ampliar essa discussão. Contudo, a Coalizão Direitos na Rede vem a público manifestar sua preocupação com a composição final desta Comissão no que tange à representatividade de seus membros.

A tarefa delegada pelo Senado Federal à Comissão é extremamente desafiante. Cada vez mais jurisdições reconhecem como tecnologias de inteligência artificial podem reforçar ou criar formas de discriminação baseadas em raça, gênero, orientação sexual, classe social e ideologia, para citar apenas alguns exemplos. Por essa razão, jurisdições em todo o mundo têm debatido formas de regular sistemas de inteligência artificial por conta dos riscos que essa tecnologia apresenta à sociedade, especialmente a grupos historicamente vulnerabilizados.

Por esse motivo, um projeto de lei que busque oferecer respostas regulatórias adequadas deve englobar visões que contemplem a particularidade dos grupos mais afetados por seu funcionamento. Isso passa, necessariamente, pela inclusão de representantes desses grupos no processo de desenho da futura lei. Contudo, a Comissão criada não apenas é marcada pela ausência de juristas negras e negros ou indígenas, como também não leva em conta a representatividade regional ou a representatividade de interesses afetados pelos produtos envolvendo IA.

Importa lembrar, também, que o tema sob discussão não se reduz ao aspecto de governança de dados, apesar deste ser uma de suas facetas. Pensar em soluções para questões como opacidade algorítmica, discriminação e a delimitação de níveis de risco para diferentes aplicações de IA são exemplos de temas cujo entendimento vai além do conhecimento estritamente jurídico, e que demanda abordagens interdisciplinares que também envolvam cientistas da computação, filósofos, cientistas sociais e outras especialidades.

Considerando já estar estabelecida a Comissão, o desenvolvimento de seus trabalhos deve levar em conta a pluralidade de interesses afetados pelo tema, construindo uma plataforma de debate e deliberação que reflita o mosaico social, político, e econômico que compõe nosso território. Invariavelmente, é necessário incluir juristas negras, negros e indígenas no debate, assim como garantir representatividade regional e de grupos sociais que já se debruçam, com grande experiência, sobre pautas e demandas de combate à discriminação contra minorias em matéria de inteligência artificial, e que não foram incluídos na Comissão.

Garantir as sugestões abaixo apontadas significará o compromisso do Senado Federal com a mitigação das injustiças oriundas da aplicação de técnicas de uma inteligência artificial alheia a valores éticos.

Por fim, a construção de tal regulação deve levar em conta processos históricos, que colocaram o Brasil na vanguarda da regulação participativa de tecnologias, como o ocorrido no Marco Civil da Internet, quando foram ouvidos diversos especialistas, de diversas áreas do conhecimento.

Solicitamos, assim:
1. À Presidência: que sejam prestigiados e nomeados novos membros para a referida Comissão, com juristas que atendam aos critérios de notório saber técnico-interdisciplinar e representatividade dos grupos aqui mencionados, o que inclui atenção à paridade de gênero, regional, racial e étnica;
2. Aos membros da Comissão: 

  • Sejam consideradas as problemáticas levantadas nesta e noutras manifestações da CDR, com a implementação de medidas para ampliar o nível de participação como a criação de comitês temáticos de especialistas, audiências públicas – com prestígio de profissionais das diversas áreas, regiões, com paridade de gênero e raça e  que discutem inteligência artificial e suas problemáticas;
  • Sejam criados grupos temáticos que garantam a participação de especialistas de outras áreas de conhecimento e que possuam profundo entendimento em aspectos técnicos e impactos sociais envolvendo sistemas de IA;
  • Sejam convocadas audiências públicas para permitir a participação multissetorial, interdisciplinar e representativa dos grupos diversos afetados por esse tema.

Com base no exposto, as entidades aqui subscritas se colocam, enquanto integrantes do coletivo Coalizão Direitos na Rede, à disposição para dialogar com esta Casa e esta Comissão de modo a garantir a elaboração de uma norma representativa e promotora de direitos.

Brasília, 23 de Fevereiro de 2022.

Assinam esta carta:

Coalizão Direitos na Rede
ANDA -Agência de Notícias de Direitos Animais
Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação
Access Now
Actantes
Amarc Brasil – Associação Mundial de Rádios Comunitárias
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
AqualtuneLab – Cruzando o Atlântico
Artigo 19
ASL – Associação Software Livre
Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação – ABPEducom
Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa
Casa da Cultura Digital de Porto Alegre
Casa Hacker
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho – CPCT-ECA/USP
Centro Popular de Direitos Humanos -CPDH
Ciranda da Comunicação Compartilhada
Coding Rights
Colaboratório de Desenvolvimento e Participação - COLAB-USP
Coletivo Cronotopo
Coletivo Digital
Coolab – Laboratório Cooperativista de Tecnologias Comunitárias
Creative Commons Brasil
DR.IA Laboratório de Pesquisa
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC
Garoa Hacker Clube
Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso a Informação/GPoPAI da USP
Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Instituto Bem-Estar Brasil
Instituto Beta: Internet & Democracia
Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife – IP.rec
Instituto Educadigital
Instituto Igarapé
Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS
Instituto Nupef
Instituto Observatório do Direito Autoral – IODA
Instituto SIGILO
Instituto Telecom
Instituto Sumaúma
Instituto Vero
Internet Sem Fronteiras Brasil
InternetLab – Centro de pesquisa em direito e tecnologia
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
ITS-Rio - Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
LabHacker – Laboratório Brasileiro de Cultura Digital
LAPCOM – UnB – Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB
LAPIN – Laboratório de Pesquisa em Políticas Públicas e Internet
LAVITS - Rede latina-americana de estudos sobre vigilância, tecnologia e Sociedade
Legalite PUC-Rio
Me Representa
Movimento Mega
NUREP – Núcleo de Pesquisas em Direitos Fundamentais, Relações Privadas e Políticas Públicas
Observatório da Ética Jornalística – objETHOS
Open Knowledge Brasil
Instituto Alana
Projeto Saúde e Alegria
Rede Nacional de Combate à Desinformação
PROTESTE - Associação de Consumidores
Transparência Brasil
Wiki Movimento Brasil
Zanzalab

[vfb id=6]