Sociedade
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Por Camila Araújo, do jornal O Globo — Rio de Janeiro

O Sana, em Macaé, já é um destino turístico do Norte Fluminense conhecido por muita gente que busca sossego em meio à natureza. O que nem todo mundo sabe é que por lá passa o Caminho da Mata Atlântica, a trilha de longa distância que cruza o Estado do Rio e vai até o Rio Grande do Sul, colecionando roteiros naturais e culturais fora do circuito convencional. De cachoeira escondida a espetáculo circense, é no entorno dessa trilha no Sana que vários atrativos pouco explorados incrementam o turismo local.

— A gente quer trazer um outro olhar sobre o Sana, que vá além do circuito das cachoeiras mais famosas e do Peito do Pombo, pontos turísticos mais visitados. Existem iniciativas incríveis aqui e que todo mundo merece conhecer — explica Isabelle Esnarriaga, turismóloga que está mapeando pequenos empreendedores da região em parceria com o Caminho da Mata Atlântica e o apoio da Fundo Casa Socioambiental. — A ideia é movimentar o turismo de base comunitária, que agrega os moradores na oferta de serviços.

Com isso em mente, a experiência pode até começar pelo Centro do Arraial do Sana, com o clássico bolinho de aipim da praça — a gente perdoa —, mas, depois, é hora de fugir do óbvio. Tem café moído na hora e uma tapioca “raiz” de Nutella com framboesa do pé, no Eden Café, um dos estabelecimentos parceiros do Caminho da Mata Atlântica, logo após o centrinho. Dali, o visitante pode desfrutar do circuito das águas ou seguir até a Cachoeira das Andorinhas, que tem um fluxo menor de visitação. Além dessas, na saída do São Bento, em direção ao centro do Sana, é possível conhecer as cachoeiras da Fervedeira e da Boa Sorte, menos conhecidas na região.

Juntos e misturados

Dentro desta proposta, a casa da administradora Júlia Righi, de 42 anos, que era apenas um camping, virou ponto de cultura, onde ela reúne viajantes, trilheiros e artistas. Tem exposição e feirinha de artesanato, oficina de instrumentos musicais, aulão de forró e shows.

— Há 20 anos, eu montei o camping, e há dois anos fazemos um palco aberto para apresentações artísticas. Hoje vejo que aqui tem de ser mesmo um ponto de cultura. Virou um lugar de encontro da nossa comunidade com os visitantes — conta Júlia.

No fim de semana, é de lei: todo sábado tem espetáculo no picadeiro do circo Quintal do Mundo, no quintal da casa do palhaço Fabiano Freitas, de 50 anos, que mora no Sana há 17. A decoração colorida do espaço é quase hipnótica e impressiona quem chega, não importa a idade.

— A gente está aqui justamente para qualificar a folga das pessoas que vêm para o Sana. É um programa para a família inteira. Todo sábado tem espetáculo. Até na cachoeira já teve apresentação — afirma Fabiano. — No carnaval, fazemos o “Bobloco”, com as crianças saindo de personagens da Liga da Justiça e de princesas. No meio do ano a gente tem os festejos juninos e quadrilha com perna de pau. Já fizemos o encontro anual de palhaços, que enche a cidade de artistas de vários lugares do mundo.

Banhista desliza sobre pedra na Cachoeira do Escorrega, no Sana. — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
Banhista desliza sobre pedra na Cachoeira do Escorrega, no Sana. — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Unidade de conservação

Cercado de montanhas e com uma área de Mata Atlântica, o Sana é considerado um santuário ecológico — como é chamado o lugar que oferece refúgio seguro para os animais. Em 2001, foi criada a Área de Preservação Ambiental (APA), uma unidade de conservação cujo objetivo é promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais, proteger a fauna, a flora, e ordenar o processo de ocupação.

Em dezembro, os voluntários do Caminho da Mata Atlântica começarão o processo de restauração de 15 a 20 hectares da região com o plantio de espécies nativas. O trabalho é feito com apoio do Instituto Internacional pela Sustentabilidade.

Há mais de 30 anos na região, Márcio Nascimento, dono do Hostel Guapuruvu, participou de todo o processo e foi o responsável por envolver a população local na criação da APA. Com deficiência visual, ele desenvolveu um projeto de educação ambiental com criação de sementes em viveiros para replantio.

— Desde 2002 eu faço esse trabalho de reflorestar. Isso aqui era tudo um pasto e, hoje, é uma floresta onde eu recebo diversos animais. Vem o caxinguelê, um esquilinho, lagartos de todos os tamanhos, ouriço-cacheiro, e várias espécies de aves. Virou abrigo para elas se reproduzirem — diz Márcio.

No hostel, ele recebe com frequência estudantes e pesquisadores do bioma. Além do balanço na árvore do quintal, chama atenção a minibiblioteca com livros sobre as espécies da mata nativa.

A trupe do Circo Quintal do Mundo, criado por Fabiano Freitas. — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
A trupe do Circo Quintal do Mundo, criado por Fabiano Freitas. — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Na mesma pegada — e talvez um pouco mais radical — está a hospedagem Sereno Sana, outro achado no meio do Caminho da Mata Atlântica que proporciona um tempo único para vivenciar as características da região.

O técnico industrial Rafael Rezende abre as portas da casa onde vive para receber quem quiser aprender técnicas de bioconstrução, plantio de teto verde, sistema sanitário de evapotranspiração e pintura com tintas naturais, feitas com sementes e plantas.

— No início era para ser um sítio de fim de semana para família e amigos. A gente vinha para cá e fazia uns mutirões de bioconstrução. Até que foram chegando amigos de amigos de amigos, e uma hora decidimos que também seria um espaço de encontros e movimentos de pessoas criativas, que estejam nessa vibe de não só curtir o lugar, mas também viver uma experiência de permacultura, uma relação diferente com a terra. O Caminho da Mata Atlântica acaba ajudando a fazer essas conexões — analisa Rafael.

Preservar para resistir

Há 10 anos, a radiologista Camila Gomes, de Cabo Frio, viaja para o Sana. Dessa vez, ela alugou uma casa no centro. De manhã, a boa é o banho de cachoeira no camping Beira Rio, do Osmar, um dos pioneiros a oferecer hospedagem na região, às margens do Rio Sana.

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— Convivendo mais aqui eu percebo como os moradores têm uma consciência forte sobre conservação. Isso faz com que a gente, que é de fora, tenha outra relação com o lugar — revela ela.

O Sana é só um exemplo do que acontece em outros 41 municípios do Estado do Rio por onde passa o Caminho da Mata Atlântica. A trilha é a maior do estado, com mais de 1.300 quilômetros, indo do extremo sul, na Praia de Trindade, em Paraty, até o extremo norte, no Parque Estadual do Desengano, em Campos dos Goytacazes.

— Se eu pudesse definir o Caminho em uma palavra, seria resiliência. As ações visam preparar os territórios em um contexto sistêmico, pensando a paisagem, o social, o ambiental e o econômico. É possível gerar renda, fazer turismo de forma ordenada, respeitando a cultura local e a natureza, com ações de reflorestamento e restauração — defende Chico Schnoor, coordenador-geral do Caminho da Mata Atlântica. — É a uma armadura para que esses lugares resistam às mudanças que temos vivido no planeta.

Este conteúdo foi desenvolvido por O Globo. Leia mais matérias sobre ESG e sustentabilidade sob a ótica de O Globo em Um Só Planeta.

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