Saúde Ciência

1986: Ele sabia de tudo e avisou. Mas a Challenger explodiu

Engenheiro de terceirizada da Nasa e quatro colegas tentaram adiar lançamento
Challenger sendo lançada no Kennedy Space Center em 28 de janeiro de 1986, 73 segundos antes da explosão que matou as sete pessoas de sua tripulação Foto: Bob Pearson / AFP
Challenger sendo lançada no Kennedy Space Center em 28 de janeiro de 1986, 73 segundos antes da explosão que matou as sete pessoas de sua tripulação Foto: Bob Pearson / AFP

RIO – Pouco mais de 30 anos atrás, o engenheiro Bob Ebeling, que trabalhava na empresa Morton Thiokol, contratada pela Nasa — junto com quatro colegas — mostrou para os responsáveis pelo ônibus espacial Challenger que, em caso de frio extremo, as juntas de borracha “O-rings” do tanque de combustível endureceriam e não vedariam corretamente a estrutura. Como a temperatura na plataforma estava muito baixa — abaixo de zero —, eles recomendaram à Nasa que adiasse o lançamento na esperança de que o tempo esquentasse e o risco diminuísse. Mas os executivos da empresa e da agência espacial americana disseram que não.

O relato volta à tona pelas mãos de Howard Berkes, da americana “ NPR ” (National Public Radio). Ele mesmo esteve com  Ebeling 30 anos atrás logo depois da explosão, mas o engenheiro negou-se a gravar entrevista e a ter seu nome publicado na mídia.

Desde então, Ebeling entrou em profunda depressão, carregando a culpa de não ter se empenhado mais pelo cancelamento do lançamento.

Quando ele chegou em casa na noite antes do lançamento, após ouvir o decidido “não” ao seu pedido de adiamento do evento, ele disse a sua esposa Darlene: “Vai explodir”.

E não deu outra — 73 segundos após o lançamento, a Challenger explodiu, matando instantaneamente seus sete tripulantes, causando comoção mundial e provocando a interrupção do programa do ônibus espacial da Nasa.

Ebeling e seus colegas sentavam-se apreensivos diante do telão da TV na sede da Thiokol nos arredores de Brigham City, no estado americano de Utah, quando o foguete explodiu. E eles sabiam imediatamente o que tinha causado a tragédia.

DESABAFO

Bob Ebeling, 89, em sua casa em Brigham City, Utah Foto: Howard Berkes / NPR [http://goo.gl/C0U5KI]
Bob Ebeling, 89, em sua casa em Brigham City, Utah Foto: Howard Berkes / NPR [http://goo.gl/C0U5KI]

Berkes conta que três semanas depois Ebeling e Roger Boisjoly, seu colega engenheiro na firma e falecido em 2012, contaram separada e anonimamente à “NPR” sobre o que se passou na reunião pré-lançamento. Ambos arrasados, às lágrimas, e descrevendo por longamente suas conclusões e os argumentos que usaram perante os tomadores de decisão no caso, durante a fatídica teleconferência de 11 horas de duração que fechou a questão.

Só em janeiro de 2016, no marco dos 30 anos da tragédia, Ebeling, então aos 89 anos, decidiu sair do anonimato.

“Eu era um dos poucos que estava realmente perto da situação”, contou ele a Berkes. “Se eles tivessem me escutado e esperado por uma mudança no clima, o desfecho teria sido totalmente diferente. Havia naquela reunião um número mais do que suficiente de executivos da Nasa e de gerentes da Thiokol para que alguns se levantassem em favor de nossos argumentos pelo adiamento. Mas ninguém se levantou além de nos cinco”.

Sendo um homem religioso, Ebeling diz que rezou sobre o caso pelos últimos 30 anos.

“Acho que o que aconteceu foi um dos poucos erros de Deus. Ele não devia ter me escolhido para esse trabalho. Mas na próxima vez que eu estiver com Ele, vou perguntar: ‘Por que eu? O Senhor escolheu um perdedor’”, disse, acabrunhado.

VEJA O VÍDEO DO LANÇAMENTO

Após a matéria da “NPR” de 28 de janeiro sobre o tema, Ebeling começou a receber pilhas e pilhas de cartas. A maioria dos remetentes era de colegas engenheiros dizendo que ele não teve culpa e fez tudo que poderia ter feito para impedir o lançamento. E invariavelmente exortaram-no a abandonar a culpa.

“Mas essas pessoas que me escrevem não são a Nasa, não são a Thiokol. Nunca ouvi nada desses dois”, lamentou Ebeling.

Katie, sua filha, conta que ninguém dessas duas empresas até então tinha contatado seu pai desde que ele entrou em depressão profunda, mal que o levou a se aposentar pouco após o acidente.

FALARAM O REPRESENTANTE DA THIOKOL...

Mas Berkes conseguiu falar depois com Robert Lund, que era o vice-presidente de engenharia da Thiokol à época do lançamento e foi um dos executivos que aprovaram o lançamento apesar das objeções de seus cinco engenheiros. Mas Lund não quis gravar entrevista.

“Não quero reviver isso”, disse ele, que foi remanejado pela Thikol e foi tão tão hostilizado pelos vizinhos que teve que se mudar. “Aquilo foi um pesadelo”.

Mas Lund disse que na ocasião ligou para Ebeling e lhe disse: “Você fez tudo que pôde”.

… E O DA NASA

Já George Hardy, diretor interino de engenharia da Nasa e um dos executivos que decidiram pela partida da Challenger, escreveu para Ebeling:

“Você e seus colegas fizeram tudo que era esperado de vocês. A decisão de lançar foi um passo coletivo de vários indivíduos da Nasa e da Thiokol. Você não deve se torturar com qualquer assunção de culpa. Rezo por sua saúde física e emocional. Deus o abençoe”.

A filha Kathy leu para Ebeling essas duas cartas e todas as outras que chegaram depois da matéria, ele sentado em sua confortável poltrona na sala de estar.

“Tenho visto uma mudança real no papai. Ele parece não ter mais aquele peso no coração, como antes tinha”, diz a filha.

Mas no fecho de sua segunda matéria , Berkes conta que na noite anterior a esta fala de Kathy, a Nasa enviou a Ebeling um comunicado oficial, escrito por Charlie Bolden, ex-astronauta que voou na missão anterior à da Challenger e, depois, liderou os esforços para retomar o programa do ônibus espacial com mais segurança:

“Nós honramos os astronautas da Challenger não só por sofrermos o peso de sua perda, mas por lembrarmos constantemente uns aos outros para que nos mantenhamos vigilantes. E para que ouçamos sempre o que dizem pessoas como o Sr. Ebeling, que teve a coragem de se pronunciar no momento certo, para que nossos astronautas possam cumprir suas missões em segurança”.

Após Kathy ler o comunicado para o pai, Ebeling aplaudiu forte e longamente, e gritou: “Bravo!”