COP
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Por Vanessa Oliveira, de Dubai, para Um Só Planeta

Os sinais vitais da Terra estão falhando e, para evitar a ruína e o incêndio planetário, precisamos de cooperação e vontade política. A mensagem do secretário-geral da ONU a mais de 160 líderes mundiais na abertura da maior e mais importante reunião climática de alto nível, a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, não poderia ter sido mais clara: “o destino da humanidade está em jogo”, disse António Guterres, urgindo os governos mundiais a acabarem com a dependência mundial dos combustíveis fósseis e a cumprirem as promessas de justiça climática. “Esta é uma doença que só vocês, líderes globais, podem curar”.

As emissões globais de dióxido de carbono (CO2) associadas à queima de combustíveis fósseis, principais vilões do aquecimento global, deverão atingir em 2023 o nível recorde de 36,8 bilhões de toneladas, uma alta de 1,1% em relação a 2022 e 1,4% acima dos níveis pré-pandemia, quando deveriam estar caindo ao menos 8% ao ano, alertou um estudo do Global Carbon Project publicado nesta semana, na esteira de incontáveis outros alertas que os cientistas já têm lançado há tempos. Se mantivermos este ritmo, a humanidade corre o risco de enfrentar — de forma consistente — os impactos de um mundo 1,5˚C mais quente já a partir de 2030.

Estamos falando de secas, enchentes, tempestades, degelos de calotas polares, incêndios florestais, crises hídricas, energéticas e alimentares entre outros fenômenos e ocorrências ligados a extremos climáticos, tornando-se mais comuns no cotidiano das cidades. A ciência é clara, mas a política não tem respondido com ambição e estratégia à altura e no tempo necessário. Essa é uma das missões que – assim se espera – a COP28 cumpra, junto da mobilização de recursos financeiros para ajudar os países menos desenvolvidos e mais vulneráveis em sua jornada de adaptação aos piores efeitos do clima.

E falando em dinheiro...

Já na largada da primeira semana da COP28, um marco: a aprovação de um fundo para compensar os países mais vulneráveis e que sofrem impactos severos da crise do clima pelas perdas e danos causados por esses eventos. As doações já anunciadas passam de US$ 700 milhões, segundo o Boston Consulting Group, e avançam após décadas de cobranças para criação de um fundo financeiro com essa finalidade. A questão de quem contribui e quem poderá utilizar o fundo permanece entre as mais controversas, e a forma de acesso ao fundo e recursos gera dúvidas sobre sua efetividade e operacionalização.

O fundo de perdas e danos ficará sob a batuta do Banco Mundial e será administrado por um conselho de países desenvolvidos e países pobres ou emergentes. E isso traz desafios. “Quando a gente fala da necessidade de reforma dos Bancos Multilaterais, também estamos falando do Banco Mundial, porque ocorre uma demora para liberação dos recursos. Porém, o dinheiro para compensação de perdas e danos precisa ser ágil, não dá para demorar para desembolsar, é necessária uma instituição que consiga responder às demandas da sociedade”, avalia Priscilla Negreiros, gerente de financiamento climático na Climate Policy Initiative.

E os US$ 100 bilhões?

À medida que novas promessas surgem, outras ainda seguem em aberto, entre elas o acordo dos países ricos para financiar US$ 100 bilhões em ações de mitigação e adaptação nos países mais pobres e em desenvolvimento a partir de 2020. A proposta começou a ser negociada em 2009 e foi acordada em 2015, na COP de Paris. Desde então, a cobrança sempre vem à baila na reunião da ONU. Enquanto os países do Sul Global acusam os mais desenvolvidos de não serem confiáveis, estes últimos alegam dificuldades na mobilização de subvenções e empréstimos.

Em uma estimativa preliminar divulgada há poucas semanas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirmou que a meta foi cumprida este ano. Como se trata de dados preliminares, ainda não dá para bater o martelo sobre o cumprimento da promessa. Priscilla Negreiros chama atenção para outro ponto sensível dessa conversa: não existe ainda um consenso político sobre como esse valor deve ser contabilizado. A Índia, por exemplo, só considera válidos recursos dados como “grants”, a fundo perdido, ao passo que a OCDE também contabiliza empréstimos. “Esses números da OCDE estão sujeitos a essas divergências”, ressalta.

Além disso, a quantia prometida já é considerada defasada. Um estudo realizado no ano passado pelo economista Nicholas Stern revelou que os diversos países em desenvolvimento precisariam de cerca de US$ 200 bilhões por ano até 2030 para adaptar suas economias ao baixo carbono, enfrentar as condições de clima extremas e apoiar a construção de resiliência nas comunidades.

Planejando um futuro pós-petróleo

Gustavo Pinheiro, senior associate do think-tank internacional E3G e sócio do Grupo Triê, é categórico ao afirmar que o capital petroleiro tem potencial para fazer e financiar a transição para a economia de baixo carbono – se assim desejar e planejar. “Se tem algo que está claro para quem chega em Dubai é que o petróleo tem dinheiro”, diz. “O Emirado de Dubai praticamente transicionou dos fósseis para uma economia de serviços, turismo e construção civil. Quando acabar de vez o petróleo deles, eles vão ter um fundo soberano enorme e toda essa infraestrutura construída, de hotelaria e de serviços, de negócios e investimentos que atraem o setor financeiro”.

A lição que essa experiência traz é eloquente, segundo ele. “Precisamos visualizar o futuro do mundo pós-petróleo. Ter uma visão de longo prazo. Com o clima não dá para improvisar. Com o clima, a gente precisa se planejar, se preparar", diz, acrescentando que o Brasil precisa desenhar seu plano de transição energética justa. O especialista, que também é consultor técnico do Finance Sector Expert Group da Race to Zero e do Advisory Board da Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), reforça ser determinante para a transição mundial que a COP28 entregue um texto final com claras sinalizações. Esse sinal de fortalecimento dos governos abre mercados e é fundamental para reduzir riscos e custos da transição para o baixo carbono.

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Teia de negociações

Não se pode jogar o xadrez climático sozinho. É necessária uma abordagem coletiva, estratégia combinada, tática e coordenada -- esforços colocados à prova durante as negociações diplomáticas. Na COP, os países “jogam” por blocos, de acordo com seu grau de desenvolvimento, geografia e, principalmente, pelos interesses comuns. Ao final da COP28, previsto para o dia 12 de dezembro, será compartilhado o texto final do chamado Global Stocktake (GST), um grande “balanço” para identificar onde o mundo avançou e onde precisa melhorar para atender ao Acordo de Paris, contemplando campos da mitigação, adaptação, meios de implementação entre outros.

Com esse balanço, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) espera guiar a próxima rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), documento que reúne os principais compromissos e contribuições dos países para atender ao Acordo de Paris. E, a partir daí, avaliar a necessidade de ação e apoio aprimorados. Saíram sinais positivos no rascunho divulgado ao fim desta primeira semana de rodada: o texto considera pedir uma eliminação progressiva “ordenada e justa” dos combustíveis fósseis. Como esta quinta-feira (7) é dia de descanso na COP, vence o prazo para os negociadores fecharem o texto que será encaminhado para os ministros de cada país, dando início para rodada de tratativas de alto nível a partir de sexta-feira (8).

“Já é histórico termos tantas opções para a eliminação dos combustíveis fósseis em um rascunho de decisão da COP, algo inimaginável há poucos anos. Contudo, falta clareza sobre a diferenciação no processo de transição energética, principalmente em relação à necessária liderança dos países desenvolvidos. Adaptação ainda está fraca e desequilibrada em relação aos outros elementos do pacote do Balanço Geral”, avalia Natalie Unterstell presidente do Instituto Talanoa.

A proposta deve desencadear muitas e longas discussões entre os governos, tendo em vista que países produtores de petróleo e gás e aqueles mais dependentes das fontes fósseis repelem a proposta. À exemplo do que ocorreu na COP26, em Glasgow, China, Índia e grupo árabe, que inclui Arábia Saudita, resistem à adoção do termo “phase-out” no GST, que implicaria na eliminação gradual das fontes poluentes.

Cerca de 118 países também acordaram metas para triplicar a capacidade de produção de energia renovável no mundo para 11.000 GW e duplicar a eficiência energética nesta década, mas ainda há divergências sobre oficialização desta investida.

“O GST é como uma ‘tomada de pulso’ e estamos muito mal, precisamos ampliar a ambição para que em 2025 quando os países apresentarem suas novas metas para 2030, elas sejam mais ambiciosas. O ideal é que a gente saia daqui para construir um mapa do caminho rumo ao phase out dos combustíveis fósseis”, diz Tasso Azevedo, engenheiro florestal criador do Mapbiomas e um dos fundadores do Fundo Amazônia.

O debate ganhou tons mais polêmicos nessa semana após uma reportagem do The Guardian trazer à tona uma fala controversa do presidente da COP, Sultão Al Jaber, de que não há ciência "comprovando” a necessidade de se reduzir progressivamente o uso de combustíveis fósseis para enfrentar a emergência climática. A declaração ocorreu em novembro durante um painel fechado preparativo para a reunião da ONU e, ao vir à tona em Dubai, causou rebuliço e obrigou o presidente da COP a se retratar publicamente dizendo que não rejeita a ciência.

As controvérsias se acentuam com a presença massiva de lobistas da indústria de petróleo e gás: 2.456 este ano em Dubai, número que quase quintuplicou nos últimos três anos: em 2021, na COP26 em Glasgow (Escócia), participaram 503 lobistas dos combustíveis fósseis, aumentando para 636 na COP27 em Sharm el-Sheikh, no Egito. Na conferência deste ano, que acontece em um petroestado, o governo Lula sinalizou a entrada do Brasil na OPEP+, um grupo estendido de países que integram os maiores exportadores mundiais de petróleo, a OPEP (que, pela primeira vez, ganhou até um stand na reunião climática), e mais dez nações.

Para ambientalistas, a investida brasileira vai na contramão dos esforços de descarbonização mundial e contraria o protagonismo ambiental que o novo governo tem abraçado. Ao anunciar a participação do país no grupo, nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva justificou dizendo que seria uma forma de influir positivamente na transição energética, mostrando aos líderes do óleo que há energias alternativas e lucrativas para se investir.

Tasso diz que não se surpreendeu com o anúncio, porque o Brasil tem uma postura de “querer participar e conversar” e talvez possa de fato influenciar no debate de transição. “Mas tem que ver se não é só discurso. Quando você olha o plano de transição da Petrobras, por exemplo, os investimentos em energias renováveis é muito pequeno comparado ao que vai para projetos de petróleo”, pondera o especialista.

Por outro lado, ele considera promissora a proposta do Brasil para um fundo de preservação das florestas tropicais do planeta -- o Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS) -- a ser mantido por países com fundos soberanos, que juntos somam mais de U$S 12 trilhões, entre outros investidores. Para a organização de conservação ambiental WWF, apesar de ainda estar em fase inicial, a iniciativa tem um caráter inovador. “Traz um componente de desincentivo ao desmatamento como recompensa à conservação, além da perspectiva de um mecanismo de implementação simples, objetivo e transparente. É importante que agora a proposta ganhe fôlego e tração, com um plano de ação concreto que coloque em primeiro plano as comunidades indígenas e as comunidades tradicionais”.

Ainda há mais dias de COP pela frente e muitas jogadas a caminho. Falando com a imprensa sobre as expectativas para a próxima semana de negociações, o Secretário Executivo de Clima da UNFCCC, Simon Stiell, foi curto e direto: "No Global Stocktake, teremos um texto inicial sobre a mesa… Mas é um conjunto de listas de desejos [...] No final da próxima semana, precisamos que a COP entregue um trem-bala para acelerar a ação climática. Atualmente temos um velho vagão percorrendo trilhos frágeis. Mas as ferramentas estão todas sobre a mesa, as tecnologias e soluções existem. É hora de os governos e os negociadores as pegarem e as colocarem em prática". No tabuleiro climático da Terra, o risco é o clima dar o xeque-mate.

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