Por Filipe Matoso, g1 — Brasília


Seminário discute desafios da comunicação na era digital — Foto: Filipe Matoso/g1

Representantes de entidades do setor da comunicação defenderam nesta quarta-feira (15) que as plataformas das redes sociais sejam responsabilizadas pela divulgação de conteúdo falso, as chamadas "fake news".

A defesa aconteceu durante o seminário "Desafios e ações na era digital", organizado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e pela Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), em Brasília.

Na abertura do evento, o presidente da Abert, Flávio Lara Resende, afirmou que as "gigantes de tecnologia" e as plataformas digitais são "bem-vindas ao ambiente da comunicação", mas é preciso que essas empresas observem regras "mais simétricas em relação ao setor de mídia".

"É também necessária a responsabilização destas empresas e plataformas pela divulgação de conteúdo disponibilizado na rede mundial de computadores, em especial quando se verificar a veiculação de notícias falsas ou informações direcionadas e impulsionadas eletronicamente, com fins lucrativos", afirmou.

Resende também destacou o papel das empresas de radiodifusão para a democracia, acrescentando que desinformação, conteúdos ofensivos e discursos de ódio podem ser vistos como "consequência de uma falta de responsabilização e supervisão das atividades" das plataformas digitais.

Ações 'concretas'

Presente ao evento, o presidente da AIR, Eugênio Mendoza, afirmou ser preciso discutir a regulamentação das redes sociais e como essas empresas são tratadas na legislação.

Para Mendoza, mais que um "diagnóstico" da situação, é necessário adotar ações mais "concretas" em relação à regulamentação.

"Essas discussões todas envolvem o papel que as plataformas têm cumprido e precisamos discutir como devem ser tratadas. As autoridades trabalham nesses temas no âmbito parlamentar e no nível judicial", declarou Mendoza.

Projeto no Congresso

A Câmara dos Deputados discute projetos relacionados às redes sociais, um deles é o chamado "PL das fake news", já aprovado no Senado.

Paralelamente a essa discussão, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se reuniu com plataformas das redes sociais para discutir propostas que podem ser apresentadas ao projeto de lei.

"Sempre falamos do 'Velho Continente' quando falamos deste assunto, mas acredito ser propício que comecemos a ter outras referências, ajustadas no âmbito continental. O Brasil é mais que um país, é um continente por sua envergadura política e econômica e é preciso colocar em foco esta discussão", afirmou o presidente da AIR.

"Esta é melhor forma para que reforcemos e possamos ir direto para ações e deixemos um pouco de lado a questão do diagnóstico, buscando algo mais concreto, como regulamentação concreta, para conhecer um sistema mais justo e que contemple os meios locais e nacionais", completou o completou Mendoza.

A professora Rosa Marie Santini, durante evento organizado pela Abert e pela AIR — Foto: Filipe Matoso/g1

Assimetrias são 'insustentáveis', diz ministro

Presente ao evento, o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, afirmou que as "assimetrias" de regras para empresas de comunicação profissional e plataformas digitais são "insustentáveis".

Pimenta discursou após o seminário ter exibido um vídeo mostrando, por exemplo, que as empresas de comunicação têm limite de capital estrangeiro, respondem pelo conteúdo publicado e precisam seguir marcos regulatórios sobre conteúdo e contratação de profissionais – enquanto as mesmas regras não são aplicadas para as redes sociais.

"Essa questão da assimetria, no nosso ponto de vista, talvez seja a primeira questão que vamos ter que enfrentar. Tenho me preparado para entender o mecanismo que mais recentemente tem concorrido: quando as pessoas compram TVs, nas TVs que elas adquirem vem o aplicativo de um canal, que não tem outorga, não é TV a cabo, mas ele aparece na programação a partir do momento que o sujeito comprou a TV", afirmou Pimenta.

"Essa é uma das assimetrias que temos hoje, insustentáveis e que no nosso ponto de vista devem ser debatidas do ponto de vista regulatório do ponto de vista da presença das plataformas no Brasil", completou.

O ministro afirmou ainda que o avanço "desregulado" das redes sociais representa risco à democracia.

"Muitas regiões do país vivendo processos de erosão completa da presença do jornalismo profissional e um avanço desregulado dessas novas formas de comunicação. No nosso ponto de vista, representam largo risco à própria democracia", disse.

Após o evento, Paulo Pimenta ressaltou defender que as plataformas digitais sejam responsabilizadas pelo conteúdo publicado pelos usuários.

Para o ministro da Secretaria de Comunicação Social, "o mundo inteiro está enfrentando" o tema, e é preciso que o Brasil também discuta.

"Não é possível que não exista qualquer regra de corresponsabilidade por conteúdo veiculado, pela falta de transparência e pelo desconhecimento da sociedade sobre as regras das plataformas. Em nenhum lugar do mundo é aceito esse tipo de relação", afirmou.

Autorregulação é 'insuficiente'

Deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) — Foto: TV Globo/Reprodução

Também presente ao evento da Abert, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto conhecido como "PL das fake news" afirmou que a chamada autorregulação das redes sociais é "muito importante", mas "insuficiente".

Na avaliação do parlamentar, o diálogo com as chamadas "big techs" é "fundamental" para que as regras sejam estabelecidas, e as plataformas não passem a ser usadas como "fábrica" de fake news e desinformação.

"Minha impressão é que, no caso do Brasil, a autorregulação foi muito importante, mas já se demonstrou insuficiente", declarou.

Ataques à imprensa profissional

Durante o seminário em Brasília, a professora Rose Marie Santini, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentou dados sobre como as redes sociais têm sido usadas, por exemplo, para ataques à imprensa profissional.

Conforme o estudo "Desinformação e a campanha contra a imprensa", somente em uma rede social, 37% dos perfis que fazem frequentes ataques à imprensa são robotizados, isto é, fazem publicações de maneira automática.

Segundo a professora, esse tipo de publicação manipula a rede social e dá "falsa relevância" a determinados temas.

"Foi um grande escândalo no referendo do Brexit e na eleição de 2016 nos EUA o uso desses perfis inautênticos para levantar campanhas no Twitter, criando falsas campanhas, manipulando o Twitter, criando 'trending topics' artificiais e alterando o feed, criando relevância para determinados conteúdos", afirmou.

"Aqui no Brasil, a gente está com uma quantidade de 'bots' no Twitter muito superior à média mundial, e isso chama atenção, principalmente na campanha contra a imprensa", acrescentou.

Ainda conforme a professora, no WhatsApp, de 1 mil grupos monitorados pelo estudo, 230 grupos são focados no que ela chamou de "campanha anti-imprensa". Segundo Rose Marie, foram publicadas nesses grupos 71 mil mensagens com termos de ataques à imprensa.

O g1 tentava contato com as assessorias do Twitter e do WhatsApp até a última atualização desta reportagem.

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