Um condomínio de 150 milhões de moradores
Fonte: Câmara dos Deputados

Um condomínio de 150 milhões de moradores


BROADCAST POLÍTICO13/07/2022 10:00:50 - TOP NEWS POLÍTICO 3. ARTIGO/GRAZIELLA TESTA: UM CONDOMÍNIO DE 150 MILHÕES DE MORADORES

Você já foi a uma reunião de condomínio em que uma pessoa chega cheia de procurações e toma todas as decisões sozinha? Agora, os deputados podem estar "presentes remotamente" em sessões de segunda e sexta. As sessões ordinárias, regimentalmente, ocorreriam de segunda a sexta, mas, como há quórum mínimo para abrir a sessão, acaba que só acontecem terça, quarta e quinta.

O ato da Mesa editado por Lira pode, a princípio, parecer uma maneira de os parlamentares se ausentarem da Câmara em ano eleitoral, mas é mais que isso. De todo modo, eles já não estão. A maior parte dos deputados chega a Brasília segunda à noite ou terça pela manhã, seja ano eleitoral ou não. O principal efeito é na contagem de prazo.

Se a sessão alcança o quórum mínimo para votação, pode acontecer de coisas relevantes serem votadas remotamente e com pouco debate. Pode, inclusive, acontecer de tudo ser votado pela assessoria. A principal mudança é que desaparece o custo para o deputado votar. Não tem nada mais valioso no Congresso Nacional do que o tempo parlamentar. Ele é diminuto e dividido entre muitas arenas internas e externas. Talvez, essa seja a principal diferença entre o Congresso Nacional e as pequenas Assembleias e Câmaras Municipais.

Mas não foi por isso que esse ato foi editado. A abertura de sessão é relevante por causa da contagem de prazo. O tempo na Câmara não é contado por dias úteis, mas por sessões ordinárias. Diversos instrumentos de atuação de minoria só podem ocorrer dentro do prazo regimental. Se um partido ou parlamentar quiser, por exemplo, contestar o despacho inicial da Mesa sobre uma proposição conclusiva, precisa ser dentro do prazo. Sabe o que mais também precisa observar o quórum de contagem de sessões? Elas mesmas, as PECs.

Além dessa medida, algumas ferramentas híbridas convenientes se mantiveram depois do distanciamento pandêmico. Por exemplo, a votação pode ser remota, de modo que o parlamentar não precise estar no plenário em cada uma das votações; só precisa registrar presença no início da sessão. Só isso já limita uma das ferramentas de obstrução da oposição (minoria).

Depois do imbróglio do sistema que levou a Polícia Federal a periciar o sistema da Câmara dos Deputados, Lira ameaçou "manter a sessão" de terça na quarta. Ou seja, os parlamentares poderiam voltar para seus Estados de origem e a sessão continuar com a votação dos destaques.

Mais uma vez, Lira age como um síndico ruim que coleta procurações antes da assembleia e torna o espaço deliberativo inútil. Quem vai a uma reunião dessas, não volta nunca mais e o condomínio continua sem democracia. Hoje, estamos falando da deliberação da PEC 15/22, mas cabe observar que esses arranjos conjunturais se tornam mudanças institucionais, e amanhã os que hoje estão satisfeitos estarão incomodados. Nunca é demais repetir que a democracia pode ser representativa, mas nem toda representação é democrática.

Graziella Testa, doutora em ciência política pela USP. Professora da FGV/EPPG. Graduada e mestre pela UnB, foi também pesquisadora visitante na Universidade de Harvard (WCFIA). Apresenta o podcast semanal Legis-Ativo

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