O primeiro Oscar brasileiro não é uma consagração do cinema feito pelos grandes cineastas brasileiros como Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Andrea Tonacci, Ana Carolina, Carlos Reichenbach, Júlio Breasane, Paulo César Saraceni, pessoas que literalmente sacrificaram o conforto e no limite as próprias vidas pela ideia — no sentido da vocação idealista do próprio cinema — de poderem realizar imagens em movimento nesse país, almejando uma resposta autônoma, livre e selvagem a altura dos nossos desafios, circustância e história. É a vitória do cinema da retomada, da ideia de que a nossa vocação é de fazer um sub produto comercial cujo ápice é a apreciação norte americana. Parece que é o prólogo da maldição antevista por Sganzerla na sua série de filmes “sobre” Wells: depois de condenar uma coleção brilhante de figuras geniais a precariedade e ao ostracismo, nomes que sim sofreram com as condições dificultadas — se não impossibilitadas — pelo regime militar (ao contrário daqueles que enriqueceram no período), o Brasil celebra quase unanimemente, oficialmente e nacionalmente a vitória de um realizador menor, cujo principal atributo é ser um bilionário e a principal luta é ser um bilionário meritocrata, que quer se provar pelo próprio talento e que não usa o próprio dinheiro para fomentar os seus filmes. Celebramos em coro que Walter Salles é o mais capaz dentre os seus semelhantes, que agora seguram o estandarte do “cinema brasileiro” — Padilha, Meirelles e outros. Como se o sucesso do país estivesse condicionado a provação da nossa elite e de suas empresas, como se os nossos interesses fossem os mesmos do Itaú, da Globo, da Natura e de tantas outras corporações: quando os poderosos vencem, nós vencemos juntos. O grau de domesticação política — e a arte faz parte dessa dimensão — faz com que seja iminente que esse consenso seja atropelado, em momento próximo, por qualquer possibilidade concreta de dissenso que, mesmo nocivo, ainda apresenta mais pluralidade e dá mais vazão para que as contradições do país se anunciem. Essa premiação, embora vá ter impactos negativos a curto prazo, com as políticas públicas se redesenhando para privilegiar os novos Ainda Estou Aqui enquanto desdenham do nosso cinema mais precário, frágil, ingênuo e destemido — e portanto mais interessante, anuncia também qualquer coisa de insustentável e portanto finita.