Caroço #80
⚠ Nesta edição > querem legalizar matança de onças no Mato Grosso; a boiada passou no DF; país sob o jugo do garimpo ilegal; macacos vítimas da ignorância; aos 10 anos, Código Florestal ainda patina.
Olá, humanos.
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Pintadas na mira dos rifles
Felino mais poderoso das Américas, as onças-pintadas são mortas para tráfico de itens como peles e dentes, por ‘diversão’ de ignorantes impunes e pelo avanço imparável do agro e da urbanização sobre seus territórios naturais. Gado e animais domésticos podem ser devorados se faltarem presas selvagens para o animal. Especialistas alertam que matar onças é crime federal e que não há provas de que ataques de onças contra rebanhos estejam crescendo em biomas como o Pantanal. Mas para os parlamentares do agro, pouco importa. Esta semana quase foi aprovado um projeto do deputado bolsonarista Gilberto Cattani (PL) que liberava a ‘caça esportiva’ de animais selvagens no Mato Grosso. O texto ia a plenário depois de receber sinal verde da Comissão de Agropecuária. Agora, será avaliado também pela Comissão de Meio Ambiente. Ou seja, pode voltar à baila em breve. Mesmo que seja aprovada, a lei é inconstitucional, pois medidas como essa dependem de regulamentação federal. Mas a estratégia é clara: a norma estadual engrossa o coro retrógrado pela legalização das caçadas no país, como querem textos tramitando no Congresso Nacional. Ruralistas e grupos alinhados no parlamento adotaram manobra semelhante - pressões estaduais ao federal - para rebaixar a proteção da vegetação nativa em imóveis rurais no país, em 2012. No Mato Grosso está uma das maiores populações de pintadas do país, distribuídas em áreas protegidas ou que resistem ao agro e às cidades. Estiagens e incêndios, mineração e outras economias baseadas em desmatamento igualmente reduzem os espaços que as onças usam para viver e se alimentar. Suas populações mais saudáveis estão restritas quase que somente a porções da Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica.
No Distrito também tem boiada
Desavisados podem achar que maracutaias políticas para beneficiar o agronegócio, mineração e loteamentos de legalidade duvidosa estão restritas aos rincões da Amazônia. No Distrito Federal (DF), a realidade não é diferente. Esta semana o Senado aprovou a redução em 3.700 ha (uns 40%) da Floresta Nacional de Brasília. A perda não tem qualquer compensação. O texto é da deputada federal Flávia Arruda (PL) e teve relatório positivo do senador Izalci Lucas, líder do PSDB. Em ano eleitoral, políticos de baixa estirpe estão ainda mais afoitos para favorecer apadrinhados políticos às custas da proteção ambiental. O tucano também quer converter a Reserva Biológica da Contagem num Parque Nacional, categoria menos restritiva de Unidade de Conservação. Em 2017, o então deputado federal Izalci Lucas aproveitou MP assinada por Michel Temer para azeitar ocupações humanas em todo o Distrito Federal. Elegeu-se senador no ano seguinte. Reservas ecológicas no Distrito Federal estão cada vez mais isoladas pela urbanização, prejudicando a conservação de ambientes, espécies e recursos naturais, bem como a vida das pessoas. Brasília e outras cidades já enfrentam racionamentos de água e secas cada vez mais potentes. Além disso, a crise global do clima exige de governantes, parlamentares e populações novas posturas diante da natureza que nos mantém. Especialistas reforçam que retrocessos legais - como os tocados por Flávia Arruda, Izalci Lucas e parlamentares favoráveis a suas propostas - atingem em cheio sobretudo o Cerrado, um dos biomas menos protegidos do país. No DF, Unidades de Conservação como a Floresta Nacional de Brasília combatem o aquecimento global absorvendo Carbono e amenizando a temperatura e a umidade.
País sucumbe ao garimpo
O garimpo de ouro é uma das maiores chagas da Pan-Amazônia. Desmata, desvia rios e córregos, polui terras e águas com mercúrio, combustíveis e outros químicos, leva doenças, drogas, prostituição, violência e aculturação a indígenas e demais populações no coração preservado da floresta. Pesquisas científicas já mostraram que inúmeros povos são afetados pela substância, associada à malformação de bebês e doenças neurológicas, problemas de audição e visão. Os efeitos são cumulativos e podem levar à morte. Mulheres grávidas ou amamentando, crianças, jovens e adultos, pessoas de todas as idades estão doentes e morrem afetadas pelo mercúrio. Caso comum, pessoas consomem água e peixes contaminados, acumulando a substância em seus corpos. Exemplo brutal, todas as pessoas nas aldeias Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy, na Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, no oeste do Pará, estão contaminadas. Desde 2010, o garimpo criminoso de ouro disparou 500% em terras indígenas no país, especialmente na Amazônia. No bioma. terras, peixes e águas estão contaminados e aumentam os riscos a populações rurais e urbanas. É o que reforça o livro-reportagem "Contaminação, doenças e assassinatos", da jornalista Arlete Bonelli. A obra aborda mais de 50 anos de estragos do garimpo na Amazônia, reúne dados sobre crimes contra indígenas, ribeirinhos, populações de vilarejos e áreas urbanas vizinhas dos garimpos ilegais e de mineradoras. Segundo ela descreve, números e situação reais das vítimas ainda são desconhecidos. Mesmo com operações policiais, processos e ações judiciais contra o garimpo ilegal, a destruição socioambiental avança. Os dados não mentem e reforçam o descontrole estatal sobre a ilegalidade. Em 2020, 51% da área com garimpos (foto) no país não tinha títulos para exploração. O balanço é do pesquisador Bruno Manzolli, do Centro de Inteligência Territorial. Desde 2010, o garimpo nacional ganhou 62,5 mil hectares, enquanto a mineração industrial cresceu apenas 1,5 mil hectares. O principal alvo do garimpo é o Pará, com quase 69 mil hectares com a atividade em 2020. A expansão garimpeira é favorecida pela fragilidade da Lei 12.844/2013, que azeita a entrada do ouro ilegal no mercado lícito, usado por joalherias, instituições financeiras e exportado.
Desinformação mata macacos
A humanidade só complica a vida da bicharada. Em 2008, 2017 e noutros momentos de nossa turbulenta história, macacos têm sido mortos a tiros, pauladas, pedradas e até com veneno por supostamente transmitirem febre-amarela às pessoas. Mas os ‘parentes’ são tão vítimas da enfermidade quanto as pessoas. Com mais de 2 mil casos registrados no Brasil - sobretudo no Sudeste e Sul - e quase 30 mil no mundo, a ‘Varíola dos Macacos’ é a bola da vez para engrossar o caldo de violência contra os animais. Afinal, a alcunha associa erroneamente os símios à transmissão da doença, repassada apenas entre humanos. No interior de São Paulo e de outros estados, agentes policiais ou veterinários têm resgatado saguis, macacos-prego e outras espécies com ferimentos ou já mortas. Enquanto a OMS (Organização Mundial de Saúde) não corrige seu erro global ao nomear a varíola, como prometeu, avisamos que é crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. A Lei de Crimes Ambientais prevê penas “de 3 meses a um ano de prisão e multa” para o delito, agravadas pela morte dos animais. O site Conexão Planeta avalia que faltam campanhas educativas permanentes sobre saúde pública e conservação da natureza. Enquanto isso, predominam a ignorância e a crueldade contra espécies inocentes.
Lei florestal não decola
O Brasil tem legislações tentando proteger suas florestas desde os anos 1930. Nunca foram cumpridas na íntegra. Uma nova foi publicada em maio de 2012, após duros embates entre cientistas, ambientalistas, governos, ruralistas e bancadas afins. O chamado Novo Código Florestal deu nova e grande marcha-a-ré na proteção do verde em propriedades rurais no país todo. Muitos crimes também foram anistiados, ao gosto do agronegócio tupiniquim. Com pouco mais de 10 anos de vigor, a legislação segue a ver navios. Análise desta semana pela Universidade Federal de Minas Gerais e entidades conectadas ao Observatório do Código Florestal descreve que apenas o Cadastro Ambiental Rural (CAR) andou, somando hoje cerca de 6,5 milhões de propriedades. Já a validação do registro, a cargo dos estados, deixa muito a desejar. Isso embola a recuperação e a regularização ambiental de propriedades, bem como a definição de mecanismos econômicos para manter e renovar o verde natural. Isso “revela que a revisão do Código Florestal mais contribuiu para postergar a adequação ambiental e dar espaço a propostas de flexibilização da legislação do que trazer ganhos ambientais para o Brasil tanto na recuperação de áreas degradadas, quanto na valoração da floresta em pé”, destaca o balanço. A embromação na aplicação da lei e o desmonte de políticas e órgãos socioambientais promovida pelo governo Bolsonaro foram chaves para explodir o desmatamento, principalmente na Amazônia e Cerrado. Os autores do estudo ressaltam que a farra de destruição e violência socioambiental aumentará as barreiras político comerciais a commodities agrícolas e minerais brasileiras.
p.s. na edição passada, contamos sobre uma ‘batida de martelo’ que varria do mapa o Parque Estadual do Cristalino II, beneficiando desmatadores ilegais no Mato Grosso. Mas o processo foi reaberto por não citar o Ministério Público Estadual na decisão. Agora, o parque segue valendo e o caso pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça e/ou ao Supremo Tribunal Federal. Confira aqui.