sou meio vagabunda, mas sou boa pessoa #128
Interior vs. São Paulo
A edição de hoje começa com uma pergunta feita lá no formulário que abri para responder vocês aqui nesta newsletter (se você quer deixar uma pergunta, é só vir aqui nesse link). Quem mandou foi a Gabi, e ela disse o seguinte:
Morando em São Paulo por tanto tempo, ainda consegue perceber as diferenças (boas e ruins) entre o interior e a cidade grande?
Como essa semana é aniversário de São Paulo, acho que é um bom momento para falar disso aqui.
Para quem não sabe, eu nasci e cresci no interior de Santa Catarina. Witmarsum, de onde vim, é uma cidadezinha que sobrevive da roça e da criação de animais, cheia de morros, pastos e mato, com 3.998 habitantes (segundo a Wikipedia). Morei lá até os 3 anos de idade, mas visitava constantemente e costumava passar as férias na casa dos meus avós paternos, onde me metia no meio da plantação de fumo e dos ranchos. Até os 18 anos, morei em Indaial, uma cidade consideravelmente maior, com mais de 72 mil habitantes, que faz divisa com Blumenau. Mas na época que vivi lá, Indaial era menor ainda do que é hoje, ainda tinha a cara de “campo".
Sair de lá era um objetivo que sempre tive. Pelo que eu me lembro, falava desde criança que queria ir “morar fora". Meus pais brincavam dizendo “mas e a gente?", e eu respondia que levaria eles junto comigo para outro lugar. Bem, não fui morar “fora", no sentido internacional da coisa, nem levei eles comigo. Aos 18, parti pra São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, para fazer faculdade. A expectativa era de cidade grande, mas apesar de maior, a sensação ainda era de lugarzinho do interior. Depois de 7 anos lá, mudei para São Paulo. E aqui encontrei meu lugar.
Agora em março de 2024 vai completar 10 anos que moro na capital paulista. Eu vivia com medo de vir pra cá na época em que era uma pobre “camponesa do interior", tinha a ideia de que a cidade era caótica e perigosa, fruto de anos consumindo o pior do jornalismo sanguinolento da TV. Mas pisar aqui me mostrou que as coisas definitivamente não eram (só) assim. Já tinha amizade com várias pessoas de São Paulo, e fui mais do que bem acolhida. São Paulo virou minha cidade, minha casa. E por mais que a internet goste de pisar na maior cidade do Brasil (e uma das maiores do mundo), eu amo esse lugar.
Amo porque aqui eu me sinto um indivíduo completo. Se no interior eu sofria com a falta de coisas para fazer, lugares para ir, aqui há tantas opções que fica até difícil escolher. Eu poderia, nesses 10 anos, ter aproveitado muito mais a cidade, mas ainda tenho um pouquinho de “bicho-do-mato” dentro de mim que me impede de frequentar certos rolês. Mas eu sei que tenho total liberdade de ir para onde quero, comer o que eu quero, me divertir em diversos lugares que simplesmente não existem lá no interior de onde eu vim.
Isso é o que mais me pega quando penso em, algum dia, voltar pra calmaria da natureza. Porque eu sinto falta do silêncio, do cheiro de grama cortada, das árvores envergando com o vento no mato em frente à casa dos meus pais. Sinto falta dos vagalumes, do céu estrelado, dos sons de grilos e sapos nas noites de verão. Sinto falta da cidade vazia, porque as coisas não ficam abertas 7 dias por semana, 24 horas por dia. Você sente a cidade descansando, relaxando, sem a sensação de correria que define São Paulo.
Só que, ao mesmo tempo, eu sei que não aguentaria mais do que uma semana de volta à minha terra. Logo o tédio confortável vira desespero. Lá, eu não teria acesso a muitas coisas das quais gosto e sinto que dependo. A culinária principalmente. Lá no interior não tem a diversidade de culturas que existe em São Paulo. Lá no interior só existe a “cultura do interior", que é fechada em si mesma. Pessoas diferentes demais do que eles são acostumados a ver no dia-a-dia são sempre vistas com desconfiança. Qualquer coisa que saia do padrão do que é ser do interior é taxado de estranho. E é isso o que me afasta de onde eu vim. Esse medo do novo, do diferente, essa teimosia em acreditar que apenas o jeito que eles vivem é o certo.
Quando me sinto meio desesperada aqui nessa cidade que é, sim, caótica, eu faço um exercício de imaginar como seria a minha vida se eu não tivesse saído de Santa Catarina. Uso meus primos que ficaram lá como parâmetro: eu provavelmente ainda moraria com os meus pais, ou próxima deles. Eu trabalharia em algum escritório, passaria meus fins de semana indo para Blumenau para ver um pouco de gente diferente ou passear no shopping. Estaria namorando, ou casada, como quase todo mundo que eu conheço que ainda está lá. Estaria dirigindo, porque é o único jeito de ter um pouco de liberdade para ir e vir. Mas eu não estaria feliz. Certamente, eu estaria descontente com o pouco que esse lugar me ofereceria.
Eu não daria certo no interior, por mais lindo e bucólico que ele seja. O pensamento do interior não combina comigo, porque eu desejo tanta coisa que lá não tem como eu conquistar. Sem falar nas pessoas, né? Sabemos o que Santa Catarina fez pelo país nos últimos anos, e isso não é rixa regional. O pessoal lá realmente acredita nessas coisas de “o trabalho dignifica a pessoa", “a família é o mais importante", “temos que proteger nossas crianças do mundo", “tudo o que é novo é uma ameaça". Tudo o que São Paulo abraça, eles viram a cara. Então não há paisagem bonita que me faça querer voltar para uma cidade interiorana. A experiência de vida lá me mataria em algum momento.
São Paulo me irrita de diversas maneiras, com seus barulhos de obra, lugares lotados e essa necessidade de ficar criando tendências urbanas que fazem a gente parecer um bando de boboca fazendo fila no último bar conceitual instagramável da cidade. Mas São Paulo vive, respira, oferece as coisas que minha cabeça precisa para se distrair. Ter acesso a essa variedade de coisas, culturas e pessoas é o que me atrai para esse lugar. É aqui que eu me maravilho com a experiência humana. Com o que é ser e viver. E por isso, 10 anos depois da minha mudança pra cá, ainda olho pra cidade como uma novidade, porque tem muita coisa nela que ainda não vi, que não experimentei. Então, pra uma pessoa inquieta como eu, São Paulo é o paraíso.
Sinto falta da paz do interior, da tranquilidade que o mato me proporciona. Do desaceleramento do tempo que ocorre quando vou pra lá. Mas não abro mão, agora, de tudo o que me rodeia aqui. Da liberdade que tenho, porque não tem vizinho bisbilhotando o que estou fazendo da minha vida — bem diferente do interior. Essa é outra vantagem, a meu ver: ninguém liga para o que você está fazendo, para o que está vestindo, para onde está indo. Aqui encontro liberdade, pura e simples.
Outras dicas
Falando na aniversariante da semana, o Levino fez um guia sentimental-gastronômico de São Paulo. Anotem essas dicas:
Desde a virada do ano estou acompanhando de leve pelo Twitter a saga do cruzeiro de 9 meses. Pois é, uma galera embarcou nesse rolê, e está divertidíssimo observar esse ambiente. Aí ontem o YouTube me recomendou esse vídeo aqui de um cara resumindo o que já rolou nessa viagem.
Semana passada, no Ppkansada, nós falamos com a Laura Vicente sobre um tema importante pra quem mora nas grandes cidades: FESTIVAIS. Como sobreviver, como aproveitar, essas coisas. Ouve aí.
E fico por aqui, galera. Obrigada por lerem mais uma edição, e até!
Fiquem com Fortunato dando apoio à minha leitura.
Caí de paraquedas nesse texto e na minha opinião, essa paixão irada por São Paulo não vai passar nunca eheheh Digo isso porque nasci e vivi em sampa por 30 anos e desde então, moro em Curitiba. Essa mesmo, a capital provinciana e mais "direita" do Brasil. Meu corpo e mente exigem escapulidas propositais pelo mundo e pelas minhas raizes paulistanas por todos esses motivos que você enumerou.
Como paulistano voluntário também criado em cidade pequena e há quase 26 anos por aqui, assino embaixo.